sábado, 31 de março de 2018

JALAPÃO 2. JALAPA, LAPA, LAPÃO, LAPADA, LAMBADA, JALAPÃO

ENSAIOS EXPERIMENTAIS EM PSICOLOGIA
AMBIENTAL FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL 4.
JALAPÃO
SANTUÁRIO DAS ÁGUAS 2
JALAPA, LAPA, LAPÃO, LAPADA,
LAMBADA, JALAPÃO
Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.
O que significa Jalapão?
O termo Jalapão decorre de uma a planta designada como Jalapa (Ipomea cuneifólia). No caso, a Jalapa Grande, Jalapão.
A nossa popular e sensual Dama da Noite, de sublime e generoso, in-superável, perfume, ao começo da noite, pertence à família da Jalapa (Ipomea Alba). Talvez a pudéssemos chamar, não sem algum carinho, de Jalapinha. Carinho em particular pelo modo como ela alegra nossas vidas, espalhando generosa e gratuitamente o seu sublime e doce perfume, e com as cores generosamente vivas de suas flores. Particularmente pequenas, quando comparadas com as flores e tubérculos (batatas) do Jalapão.
Outro membro nobre da família é a nossa insuperável, e simples, Batata Doce (Ipomea Batatas). Fundamental na nossa alimentação.
Certamente que existe na região do Jalapão toda uma tradição popular erótica, e deliciosa, mais ou menos clandestina, e incrível, e incrivelmente sen-sual, com relação à Jalapa. Erótica popular tradicional que pode remontar aos índios que habitaram a região*. E certamente remonta à cultura descendente dos mateiros e colonizadores que remotamente a colonizaram. Com relação à Jalapinha isto pode não se manifestar, além da referência ao sensual perfume, à boca da noite... Não é ingênua, certamente, a sua designação como Dama da noite...
Existem variedades diversas da Jalapa.
As flores da planta Jalapa são igualmente denominadas de Jalapa. E a planta Jalapa também possui um tubérculo oblongo, e subterrâneo, a batata da Jalapa, como a Batata Doce. Igualmente denominado de Jalapa. Assim, a designação de Jalapa refere-se tanto à planta, como a flor da planta, e ao seu tubérculo.
A Jalapa (a bela flor branca) da Jalapa (a planta) da região do Jalapão (Jalapa grande, uma lapa de Jalapa), é bem maior do que a nossa querida Ja-lapinha.
E é, por isso, chamada de Jalapão.
Maior, também, a Jalapa, Jalapão; o tubérculo, a batata da Jalapa do Jalapão. Que fica enterrada no chão, no interior de nossa feminina mãe Terra.
Assim, no caso do/da, Jalapão (a Jalapa da região e que dá o nome à região do Jalapão) a coisa toma outros sentidos metafórico sensuais e sen-soriais. O/A Jalapão é assim uma flor grande, bem maior que a da Jalapinha. E a batata do Jalapão, oblongo tubérculo, é bem maior que o das outras Jalapas, inspirando o entusiasmo e a sensualidade da erótica popular.
As flores da Jalapão, como as das orquídeas, insinuam sensualidade. Não só pelos aromas adocicados de seus perfumes, mas, em particular, pelas suas formas. Vistas de frente, insinuam delicadas formas de vulva. O/A Jalapão se complementa com um profundo canal, até os seus órgãos mais internos. De onde, certamente, provém um aspecto do sentido do termo lapa de sua designação, talvez o sentido mais originário, na língua latina.
Em sua forma oblonga, o tubérculo da Jalapa do Jalapão é maior do que os tubérculos das outras Jalapas. Permanece enterrado na terra. Ícone analógico da relação erótica, poderoso apelo à sensualidade da erótica popular de uma população que vivia imersa e circunscrita em poderosa relação como riquíssimo e profundo ambiente natural.
O Jalapão (a planta), assim, oferece uma inspiradora analogia erótica que certamente afetava e afeta à cultura e as pessoas das rarefeitas comunidades do Jalapão. Além de ser uma planta que insinua sugestivamente nas formas de suas flores a representação da vulva e da vagina femininas; insinua nas formas de seu tubérculo o órgão sexual masculino; e é ela toda uma insinuação da representação do intercurso sexual, ainda sugerido pelo fincamento, no solo da terra, e interação com a terra, de seu tubérculo.
O termo Lapa tem um sentido e derivações de sentido interessantes. Originalmente ele tem o sentido de cavidade. Mas não foi apenas com esse sentido que eu o aprendi quando criança. Claro que lapa sempre disse respeito às lapinhas de natal, ou dos santos católicos, grutas onde se armavam os personagens do drama cristão do nascimento de Jesus Cristo, ou de um santo, ou santa.
Mas lapa sempre disse respeito, também, ao tamanho de um objeto de grandes proporções. E se me permita dizer, são comuns no Nordeste ex-pressões como, por exemplo, uma lapa de mulher!, ou Uma lapa de buceta! Uma lapa de cacete (genital, ou não)!
Lapada, no sentido de pancada com um objeto oblongo e flexível, numa surra, por exemplo; o que eu acho que remete a surras com as oblongas, e lapadas, ocas, bainhas de espada; e, posteriormente, de facão, tristemente comuns em uma certa época do Nordeste e do Brasil.
Ou ainda, por derivação desta última, a performance machistamente masculina no intercurso sexual.
Relativo também a lapada, é o termo lambada, da sensual dança. (Sem comentários).
E eu não precisaria explicar, em função do hit popular que dominou o último carnaval no Nordeste, o sentido da expressão lapada na rachada. Imagino que na linguagem da erótica popular do Jalapão a expressão mais adequada poderia ser lapada na jalapa; bem no sentido, talvez, de que o buraco certamente é mais para dentro.
O que aqui importa, todavia, é a curiosidade de que a anatomia do (a) Jalapão (a planta), em específico de sua flor, e de seu tubérculo, e a relação deste seu tubérculo com a terra, oferecem inspiração e sugestão à sensualidade erótica da tradição popular, numa icônica não só de orgãos, mas de relação e harmonia sexual... De tal modo que termos que nele cabem, como lapa, lapada, jalapa, jalapão, podem se referir, igual e alternativamente, ao órgão genital feminino, e ao órgão genital masculino; da mesma forma que podem se referir, de modo entusiástico e celebrativo, ao intercurso sexual.
Acho que não sem motivo, o termo Jalapão designou a região, e faz parte, de um modo intenso, do imaginário e da erótica popular.
Não sem motivo, certamente, também, ouvi, por várias vezes, no Jala-pão, em Ponte Alta, em pleno mês de Setembro, sete meses depois do carnaval, carros com poderosas, e horrorosas, caixas de som tocando alegremente Lapada na Rachada -- o hit do último carnaval no Nordeste -- os donos com olhares marotos e ousados, danças sensuais...
De modo que o uso do termo está longe de se dever às qualidades fi-toterápicas purgativas, e outras, do Jalapão (a planta).
Estes sentidos, ainda, podem ser interessante e importantemente desdobrados e elucidados, na direção de toda uma erótica cósmica que a hidrologia geológica do Jalapão protagoniza. E do deleite e necessidade da cultura das comunidades locais e das pessoas de se integrarem a esta erótica. Eroticamente.
Em termos antropológicos, assim, é, certamente, algo de muito inte-ressante como o Jalapão (a planta) veio metaforicamente a significar, de um modo poderosamente sensual, as genitálias masculina e feminina, a relação sexual em específico, e o intercâmbio em geral masculino/feminino de Yin e de Yang. Em específico, mais precisamente, o equilíbrio de Yin e de Yang, de masculino e feminino.
O Jalapão (o lugar) é -- e trabalhemos para que continue sendo -- um lugar imensamente saudável em termos geológicos, de uma impressionante potência de saúde. Potência generativa. As águas do Jalapão são filhas e filhos telúricos do encontro potente e saudável do céu com a terra.
A potência da terra, potência de yin, feminina desde sempre, é avas-saladora. Em sua potência receptiva, ativa, ela recebe o céu, yang, as águas do céu, com uma receptividade imensa, monumental, geo-lógica... Como se fosse um imenso imã a atrair o Céu...
Durante bilhões de anos, a formação da superfície geológica do terreno do Jalapão, que foi fundo do mar interior do Brasil -- tipicamente em sua dimensão yin -- tem uma morfologia incrivelmente receptiva. O terreno tem, literalmente, o formato concavado de pequenas e sucessivas bacias, ou conchas. Que, de um modo generoso e diligente, coletam, sistematicamente, as tor-renciais águas da chuva. Temos a deliciosa e sagrada impressão de que, ritualmente, nenhuma gota de chuva se perde no Jalapão. Coletadas pelo terreno as águas são torrencialmente carreadas por estas sucessivas bacias, ou conchas, coletoras.
Um chão generosamente atapetado por uma ária branquíssima, finíssima, quartzosa...
Deslizando e rolando por sobre a areia, que parece impermeabilizar-se, de tão unidos que ficam os seus finos grãos, as águas das chuvas são levadas a uma rede de milhares de córregos temporários, pontual e rigorosamente formados por elas, em direção à perenidade dos riachos e regatos do Jalapão. Que, serpenteante, e vigorosamente, se encarregam de conduzi-las aos rios.
O Rio Formiga, para Oeste. Que, passando por sua cachoeira, de águas verdes, vai para o Rio Novo (o Rio Formiga, antes de sua cachoeira, tem também uma poderosa nascente subterrânea); o Rio Novo joga suas águas no Rio do Sono; que, por sua vez, vai ao Tocantins...
O Parnaibinha, o Parnaíba – Ao Norte.
O Galhão, o Preto, o São Francisco –- a Leste...
Não só vinda do Céu, mas num alternativo modo yang de ser, a água também brota profusa e vigorosamente da terra no Jalapão. Nas nascentes vigorosas dos rios e riachos, e nas dezenas de Fervedouros. Pequenos lagos, nos quais -- na quartzosa e branca e finíssima areia -- ela borbulha. Pe-renemente.
Boiando nesses laguinhos, não conseguimos afundar -- dada a força com que a água brota do chão...
Mas, no Jalapão, a água também pode, inesperadamente, minar em fonte, por exemplo, no centro da sala da casa de um Caboclo. Como ouvi um narrar como surgiu uma mina d’água no chão de sua casa de areia.
De suas alturas, o céu anualmente condescende a descer (anualmente, de Outubro a Abril). E Céu e Terra, Yin e Yang, o Masculino e o Feminino cósmicos, se encontram. Plenificada, na harmonia deste encontro, a terra – que normalmente tende a descer – inverte a sua tendência normal, e sobe, e borbulha, água, nos fervedouros, e lagos, e verte-se nos rios e regatos, de-ságua nas cachoeiras, abundantemente, fluindo em corredeiras e cachoeiras, e nas correntes, preguiçosas, ou velozes -- agora já Yang, nessas características -- para ir nutrir (Yin) as terras imensas das bacias às quais ela novamente vai nutrir.
Na verdade, protagonismo de uma imensa e desmedida erótica cósmica. É esta erótica que constitui o Jalapão. Seus fervedouros, lagos, regatos, correntes, rios e riachos... e a sua gente.
Psicologicamente falando, existencialmente, conviver com esta erótica telúrica e cósmica exige, igualmente, saúde. Na verdade, um certo grau de sacralização dela, para nela se poder integrar. Assim como, nos Andes, os Incas sacralizaram as montanhas, o lago, o altiplano, as estrelas, a lua, o arco-íris, o lago, a água...
A erótica do Jalapão não é simplesmente uma erótica mundana e vulgar. É uma erótica sagrada, que se integra com a poderosa erótica cósmica do ambiente.
As rarefeitas e isoladas populações do Jalapão, mais acessível nos tempos remotos, a partir do Sertão do Piauí, do Maranhão, e da Bahia, tiveram que co-habitar com esta imensa saúde, e com esta imensa erótica cósmica, constituída pelas chuvas anuais do céu, pela imensa receptividade e poder de acumulação da Terra, e pelas vertentes nas veredas e lagos das limpíssimas e abundantes águas.
A sensualidade desta erótica impregnou, certamente, a erótica das re-lações inter humanas. Em particular de uma população que conviveu, e em parte descendeu, dos indígenas.
A Jalapa, o Jalapão forneceu em sua anatomia poderosos elementos para a metaforização da tradição popular desta erótica, e temos aí a erótica da Jalapa e do Jalapão, e a designação deste imenso aqüífero, Santuário de águas do Brasil.
O Jalapão (a planta) foi, e ainda, é, certamente, um elemento importante da farmacopéia fitoterápica nativa das populações rarefeitas e isoladas. Para uma noção das condições de saúde, conta-se que quando uma pessoa adoecia no Jalapão, ela era carregada por cinco dias em uma rede, por vinte pessoas que se revezavam. Até uma fazenda da região. De lá ela era conduzida até Porto Nacional. Se não fosse muito grave, efetivamente...
Dentre outros usos, o Jalapão é medicamento efetivo na farmacopéia nativa local como purgativo. Contra hidropsia, contra icterícia, obstrução de vísceras, e corrimento vaginal...
Há ainda uma característica muito curiosa das propriedades do Jalapão (a planta), que certamente teve, e tem poderoso apelo à imaginação popular... O Tiú é um grande e valente lagarto, que não enjeita uma boa briga com uma venenosíssima cascavel, comum na região. Quando é picado pela cobra, o Tiú corre para o meio do mato, em busca de um pé de Jalapão (a planta). Cava, acessa o Jalapão (a batata da planta), e avidamente rói, come, e chupa a sua seiva, que é antídoto potente contra o veneno da cobra. Certamente este fato requer mais estudos, mas é evidente em outros lugares da Amazônia. E traz algo a mais acerca desta planta incrível: é ela, certamente, um poderoso medicamento antiofídico, conhecido e utilizado pelos animais. Ou pelo menos pelo Tiú.
GALOS DO JALAPÃO
João Cabral seguramente não entendia nada do Jalapão. Mas muito entendia de galos. E por isso entendia muito dos galos do Jalapão. E conhecia, assim, um de seus aspectos esteticamente fundamentais, logo à boquinha da manhã.
1.
Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.
2.
E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.
A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.
João Cabral de Melo Neto. Tecendo a Manhã.
Bibliografia
BEHR, .M. JALAPÃO – SERTÃO DAS ÁGUAS, São Bernardo do Campo, Somos,.
HELLER, Agnes SOCIOLOGIA DA VIDA COTIDIANA, ,Madrid, Taurus.

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