domingo, 2 de setembro de 2018

O AMBIENTE SOMOS NÓS*
Afonso Fonseca, psicólogo.






Se falamos de uma 'biologia da compreensão', é porque existe uma 'biologia da explicação'.

Esta, a Biologia da explicação, é, ontológica, e epistemologicamente, a Biologia dominante.

A precedência  dela é danosa. E, dela estamos intoxicados.

'Da compreensão', ou 'da explicação', implica dois modos de sermos. O ontológico, e o Ôntico. Com suas características respectivas.

Limitarmo-nos ao modo de sermos ôntico, da explicação, priva-nos da apreensão do ambiente em suas características ontológicas. Pré-reflexivas, e pré-conceituais.

Onticamente, explicativamente, neste caso, o ambiente é um ob-jeto, uma coisa. É reflexivo. Teorético. Conceitual. Sua forma mais pobre, e parcial, de ser.

Ontologicamente, compreensivamente, o ambiente NÃO É uma coisa.

É movimento. Não é ob-jeto, mas jeto.

Não é teorético.

É pré-reflexivo. E pré-conceitual.

Dialógica e ontologicamente, o ambiente, em qualquer de seus aspectos, é um TU.

Ontológico, o ambiente só se dá numa dialógica. Diapoiética.

Isto tem importantes implicações

No modo ôntico de sermos, estamos cindidos na dicotomia sujeito-objeto. E, reflexivamente, o ambiente, alienígena, é um objeto.

No modo ôntico, a explicação é reificada, reflexiva, e conceitual.

A implicação, e a compreensão, constituem o aspecto cognitivo do modo ontológico de sermos.

A implicação e a compreensão são pré-reflexivas, e pré-conceituais.

O modo ontológico de sermos é o modo de sermos da ação. Da moção, da emoção, e da regeneração. É o modo de sermos da sensibilidade emocionada. Modo de sermos da estética, e da poiética...

O modo ontológico de sermos é  dialógico. Da relação EU-TU.

O modo ôntico de sermos é o modo de sermos da coisidade, da instalação da coisa.

A apreciação de qualquer aspecto ambiental, inicialmente, depende do modo de sermos em que o fazemos.

Assim, a apreciação ôntica do ambiente, prevalecente na Biologia, e em nossa cultura, traz as sua premissas e valorações.

Ou seja: em princípio, de que o ambiente seria uma coisa, composta por um conjunto de coisas. O ambiente seria um objeto. Portanto reflexivo. A premissa de que o ambiente seria conceitual, teorético. E explicativo.

Ora, essas características são consequência das características do modo ôntico de sermos.

Porque, no modo ontológico, o ambiente não é coisa instalada, é ação. O ambiente não é composto por coisas, ou por partes: o ambiente é um todo, diferente da soma de suas partes. O ambiente não é jeto, mas transjeto, não é objetividade, nem subjetividade, mas transjetividade. O ambiente não é reflexivo, mas pré-reflexivo. Não é conceitual. Mas pré-conceitual. Não é explicativo, mas, implicativo. E compreensivo...  O ambiente é, eminentemente, dialógico.


O termo AMBI-ente remete a um ser AMBÍ-guo.  O AMBI-ente é um ente AMBÍguo.

E a ambiguidade do AMBI-ente está  em que hora ele é ontológico. Hora ele é ôntico.

Hora ele é ontológica da ação. Sentido.

Hora ele é coisa.

Hora ele pré-reflexivo, e pré-conceitual. Hora ele é reflexivo, e conceitual. O ambiente oscila entre o modo ontológico, e o modo ôntico de sermos. Como a existência.

Nisto reside sua ambiguidade.

Utilizando uma terminologia da dialógica de Martin Buber, ora nos relacionamos com o ambiente ônticamente, como um ISSO; ora como um TU. Ou seja, ora numa relacionamento EU-ISSO; ora numa relação EU-TU.

Ao modo do relacionamento EU-ISSO, o ambiente é objeto, objetivo. É reflexivo. E conceitual. É explicativo, e teorético. Reificado conceitualmente, o ambiente e seus seres ônticamente são coisas.

Ao modo ontológico da relação EU-TU, o ambiente não é, objeto; não é, nem pode ser, objetivo... O modo ontológico de sermos é todo ele jeto, ação... (Buber).

O ambiente é transjetivo.

É pré-reflexivo, implicativo. Sentido (logos) compreensivo, compreensão.

É pré-conceitual. Ação. No NÓS da dialógica EU-TU.

Ônticamente, EU-ISSO, é objeto, teorético. De reflexão.

Ontologicamente, EU-TU, o ambiente é passível de experimentação, e de interpretação fenomenológico existencial. De experimentação, e de hermenêutica fenomenológica.

O modo ontológico de sermos, é o modo de sermos, poiético, da atualização de possibilidades. Da ação. É o modo de sermos da emoção, da implicação, da compreensão. A vivência, no modo ontológico de sermos, não é causal, nem pragmática.

Seu caráter pré-reflexivo significa que o ambiente é, todo ele, jeto -- 'jato' da atualização de forças, as possibilidades. Neste modo de sermos, assim, o ambiente não se constitui como ob-jeto (afastamento do jeto). Não se constitui como condição da dicotomia sujeito-objeto. A teorética.

O conceitual significa o decaimento das forças das possibilidades -- cujo desdobramento é a ação. Com isso, encaminha-se para a conclusão o episódio do modo ontológico de sermos, com a super simplificação de seus produtos, a sua reificação, e caricaturização -- sua passagem de analógico para o conceitual. Com o seu empobrecimento, e desnaturação.

A conceituação marca um limite entre o pré-conceitual, e o conceitual.

O ontológico é pré-conceitual.

Conceitual, o ôntico.

A Ciência clássica elege o modo ôntico de sermos como critério de verdade.

Isto significa assumir, de partida, o viés do ôntico, em sua pobreza, provisoriedade, como base do critério de verdade. Ignorando as características do ontológico.

Ou seja. Que o ambiente seria explicativo. Seria reificado, conceitual. Que o ambiente seria objetivo, e reflexivo.

O que não é verdade.

Ao modo ontológico de sermos, o ambiente ontológico, é vivido. Constitui-se como implicação, e como compreensão. Constitui-se assim  como sentido.

Ação, o ambiente não é objetivo, nem subjetivo. Mas, jetivo, transjetivo. O ambiente é pré-reflexivo, e pré-conceitual. Á compreensão.

Como objeto, o ambiente, reflexivo,  é, simplesmente, dejeto. Assim como o sujeito.

E não o ambiente na ontológica da presença e atualidade de sua ação.

Na ontológica de sua presença e atualidade, o ambiente é susceptível, e só é acessível, pela exprimentação e pela hermenêutica, pela interpretação, fenomenológico existensial.

Na ontológica de sua dramática, o ambiente é diapoiético, e dialógico.

Isto quer dizer que, não existe ambiente sem a nossa experimentação, sem a nossa interpretação fenomenológico existensial, sem a nossa implicação, sem a nossa compreensão. Sem a nossa confirmação e participação, na dialógica.

Nessa condição, o ambiente -- que não é um objeto  --  é um TU. Ação de uma alteridade. Desconhecido, diferente, diferença. Que só é dado à experimentação, e interpretação fenomenológico existenciais, pelo engajamento em sua diapoiética, e dialógica.

Assim, na diapoiética, e dialógica, com o ambiente, como tu, podemos desvendar/criar um ambiente no modo de sermos ontológico. Modo de sermos do movimento, da emoção, da implicação, e da compreensão. Um ambiente na riqueza de sua multiplicidade, e nexos. Um ambiente criativo, e regenerativo.

O ambiente deixa de ser objeto, e passa a ser o TU de uma diapoiética dialógica, que é um nós.

A reificação do ambiente, e a sua coisificação, objetivação, e conceituação, reduzem o ambiente a uma caricatura, a seu aspecto mais pobre. Levando-o a uma alienação progressiva. Até que o ambiente, alienígena, constitui-se cada vez mais como ameaçador, e perigoso. Como inerte, incompreensível.