sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A UTILIDADE DO AMBIENTE SÓ PODE SE DAR A PARTIR DO DESFRUTE DE SUA INUTILIDADE

Ensaios Experimentais de Psicologia Ambiental
Fenomenológico Existencial 6:
A UTILIDADE DO AMBIENTE SÓ PODE SE DAR A PARTIR DO DESFRUTE DE SUA INUTILIDADE


Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.





Na especificidade, e na efetividade, da atualidade de seu ser, na sua efetiva e fenomenológico existencial presença -- como tudo --, o ambiente só pode ser vivido ontológicamente. Nesse sentido, o ontológico se refere a um modo existencial de sermos, ao logos, sentido, deste; um modo de vivência, fenômeno-lógico.
Ou seja, um modo de sermos que se caracteriza, segundo a Fenomenologia Existencial, pela predominância da insistência no pólo ontológico de nossa abertura para o Ser, em nossa vivência de ser-no-mundo, em nossa existência. Ser-no-mundo, existência esta que, além de ontológica, em um pólo, é Ôntica, no outro pólo, quando a vivência da possibilidade emergente no pólo que vivenciamos enquanto Ser, ontológico, se cristaliza, curada em coisa, mundo; mundaniza-se, instrumentaliza-se -- numa terminologia heideggeriana. Nesse sentido, somos existencialmente ontológico e ônticos.
De modo que existencialmente, somos, como humanos, ambíguamente anfíbios.Em particular enquanto ambi-entais.
Claro que somos mamíferos, primatas; mas, metaforicamente, em termos de nossa ambigüidade existencial, e ambiental, enquanto ser-no-mundo.
Nesta ambigüidade, num primeiro sentido, podemos ser, momentânea, e alternativamente, ônticos ou ontológicos, segundo a momentaneidade da alternância de nossa existência, íntegra na dialógica entre os pólos ôntico e ontológico de sermos. Eu-isso, ou eu-tu.
E, como humanos, somos ainda, ambíguos, existencial, e ambientalmente, ambíguos, no próprio âmbito de nosso modo ontológico de sermos. No qual insistimos na abertura para a possibilidade do ser ambiental, para o ambiente como o tu de uma movimentação dialógica com uma alteridade radical, com a qual estamos necessariamente implicados, enquanto ontológica vivência de ser no mundo: ambígua movimentação da implicação recíproca, na dialógica dualidade eu-tu.
No intrínseco contínuo ontológico-ôntico, ontológico-coisa, ontológico-mundo, que existencialmente somos, enquanto ser-no-mundo, contínuo ontológico-coisa da temporalidade do desdobramento de possibilidades, cura, das possibilidades inerentes ao Ser -- eu-tu/eu-isso, numa terminologia de Martin Buber --, o pólo ontológico de sermos, o existencial, é, portanto, um modo de sermos de pré-coisa, de pré-ôntico, pré-ente, pres-ente, o nosso presente.
Presente, modo pré-ente, pré-coisa de sermos, que é vivência, interpretação, compreensiva, que se caracteriza por sua intrínseca atualidade: pela ação -- especificamente: a atualização de possibilidades inerentes à fonte do possível – que é o ser: consciência ativa compreensiva, e/ou motricidade compreensiva igualmente ativa. Que compartilhamos, todos, enquanto o nosso modo ontológico, existencial, fenomenológico de sermos.
Modo de sermos vivencial, que se caracteriza por ser, enquanto tal, pré-reflexivo, pré-conceitual, pré-teorético; infenso ao teorético.
O modo teorético de sermos, propriamente, se define como um modo de sermos de momentâneo e alternante distanciamento com relação à dimensão ontológica de Ser. Um modo de sermos de distanciamento com relação à dimensão do modo vivencial de sermos; de distanciamento do modo de sermos ontológico, fenomenológico existencial; o modo de sermos de nosso presente; para especificamente contemplarmos e apreciarmos as possibilidades que temporalmente curaram como coisa, na momentaneidade da insistência na abertura para o Ser de nosso ser no mundo.
Enquanto modo de ser, o nosso pres-ente, o modo ontológico de sermos igualmente, não se situa no modo de sermos em que se constitui a dicotomia sujeito-objeto: a intencionalidade fenomenológica, qualidade característica deste modo de sermos, se configura como um modo de vivência no qual vigora uma correlação entre sujeito e objeto, tão intrínseca e necessária, que é anterior a qualquer possibilidade de dissociação. De modo que o modo ontológico de sermos se caracteriza por ser um modo de sermos no qual não vigora a dicotomização sujeito-objeto. É, assim, um modo de sermos em que não vigora a objetividade, nem a subjetividade, e, muito menos, algo de ser como uma inter-subjetividade.
Ainda que não seja um modo de sermos em que vigore a dicotomização sujeito-objeto, é, própria e especificamente, o modo ontológico de sermos da relação eu-tu, o modo dialógico de sermos, o modo de sermos da dia-lógica. No qual o ambiente não é um objeto, não é uma coisa, nem uma coleção de coisas, mas é o tu de uma dialógica, com cujo mistério, enquanto alteridade radical, estamos vivencialmente envolvidos: especifica, própria, e necessariamente implicados, na vivência compreensiva, compreensão, inerente à implicação, que própria e especificamente não comporta a explicação, teorética, no âmbito de seu momento próprio de vivência.
Não existe explicação que possa levar à compreensão (Takuan Soho).
A explicação é especificamente teorética. E é, especificamente, afastamento do modo de sermos da compreensão, da implicação.
Ontológicamente, assim, o ambiente que não é objeto, que não é coisa, dá-se, propriamente, ao modo de sermos da compreensão, e da implicação. Se Freud explica, a vivência, o ontológico, o dialógico, são da ordem da compreensão, e da implicação.
Um outro aspecto importante é que o modo ontológico de sermos, e, por implicação, o ambiente vivido enquanto possibilidade que se desdobra em atualização, em ação propriamente dita, não são da ordem das relações de causa e efeito. Na momentaneeidade de sua vivência essencial, eles não são da ordem da causalidade.
Buber diria, não podemos fazer acontecer, mas não aconteceriam sem nós... Já que acontecem como possibilidade que se desdobra hermeneuticamente, como compreensão, implicação, no âmbito da dialógica com uma alteridade radical, e potente, com a qual estamos inextricavelmente implicados. Como a onda do surfista, o pulso do possível (que ainda pulsa, todavia...), que não podemos fazer acontecer, mas que não aconteceria sem nós mesmos... dita o ritmo, a temporalidade própria, e a direção. Podemos desfrutar compreensivamente de sua hermenêutica, atualizá-la, mas não podemos conduzi-la para onde queremos, como o fazemos com o objeto. Não podemos usar o possível, a possibilidade, e sua atualização, num relação de causa e efeito.
O ambiente ontologicamente vivido, assim, não é da ordem da causalidade.

Da mesma forma que o ambiente ontologicamente vivido não é da ordem da realidade.
A realidade é o pólo ôntico de ser no mundo da possibilidade realizada, acontecida, curada em ente, curada em coisa, curada em mundo, a possibilidade decaída. O ambiente, por seu turno, no pólo ontológico da vivência de ser no mundo, insistência na abertura para o Ser enquanto fonte do possível -- na formulação da existência segundo Heidegger --, o ambiente ontologicamente vivido, é potência e movimento que é próprio à potência de possibilidade, ou seja, é desdobramento vivencial de possibilidade, no que chamamos de ação.
A ação que pode ser meramente compreensiva, ou compreensiva e motora. Mas sempre, específica e propriamente compreensiva, a ação, interpretação compreensiva, fenomenológico existencial.
A experiência da explicação, a experiência do conceitual, do teorético, é experiência ‘paralítica’; assim como somos ‘paralíticos’, inativos, quando experienciamos a objetividade, quando experienciamos o objeto. E não menos quando da experiência da subjetividade, do sujeito; e quando experienciamos a experiência da causalidade, das relações de causa e efeito. Somos inativos quando da experiência do útil, e não menos quando da experiência da utilidade e da utilização; quando somos pragmáticos, práticos e funcionais; da mesma forma que na experiência do real, e da realidade. Porque todas essas experiências se dão no âmbito do modo ôntico de sermos, e a esfera própria da ação, da atualização, da interpretação fenomenológico existencial, compreensiva, implicativa, é a esfera da momentaneidade de nosso modo ontológico de sermos, fenomenológico existencial, eu-tu: assim como a vivência do ambiente em sua onto-lógica; dia-lógica.
De forma que o ambiente não é experienciado como coisa, em seu onto-logos. O ambiente dado como devir em sua vivência ontológica, como possibilidade que se desdobra em ação, o ambiente vivenciado como insistência na abertura para o seu ser, é vivência, é ação, compreensivação: ação, interpretação, meramente compreensiva, ou compreensiva e motora. E não tem as qualidades próprias à inércia das coisas, dos entes, dos seres, do pólo ôntico do ser no mundo; não tem as qualidades da coisa, da possibilidade exaurida, decaída, curada em ente. Não é objeto, e não é, portanto, da dimensão do útil e da utilidade. O ambiente, na vivência da dimensão essencial de seu ser ontológico, não tem comensurabilidade com o uso e com a utilidade, não é útil, não é utilidade; porque o uso, o útil e a utilidade não são comensuráveis com este modo de sermos da vivência ontológica; o ambiente como tal não pode ser utilizado, por essas suas características essenciais, por se dar como vivência, estésica, estética, de possibilidade que se desdobra. O ambiente em sua vivencia ontológica não é não pode ser pragmático.
Tudo isto, por outro lado, ele é, sim, ao modo ôntico sermos.
Mas não ao modo de seu onto-logos, de sua vivência ontológica, que é pré-ontologia, pré-ente, presente, e que se caracteriza pela vivência da atualidade; pela ação. Como experiência ôntica, o ambiente se constitui então como útil, como utilizável, como utilidade. Aí, sim, ele pode se constituir como ambiente prático, pragmático, técnico, e comportamental. Guardando sempre a possibilidade do retorno à sua interpretação e avaliação ontológicas.
A vivência ontológica do ambiente é eminente e especificamente estésica, e âmbito próprio e particular de uma estética, de uma estética ambiental.
Esta estética ambiental, única possibilidade de apreensão, de interpretação compreensiva, compreensão, e em particular de avaliação, do ambiente, em sua ontologia, enquanto atualização, ação, das possibilidades de seu ser, vir a ser, é que é a referência de avaliação, do valor, e da verdade, do ambiente. A estesia na qual o ambiente se dá em sua ontologia -- em seu onto-logos ambiental, é própria a uma estética ambiental, somente na qual é possível a vivência ontológica do ambiente, na atualização das possibilidades de seu ser, enquanto ser no mundo. A estética ambiental é que é, própria e especificamente, assim, a fonte de valor e de verdade ambientais. E esta é da ordem da vivência, e não da realidade; é da ordem da vivência, e não da ordem em que se dão o útil, a utilidade, a ordem em que se dá uma pragmática.
A utilidade e as possibilidades de uso do ambiente só podem ser propriamente avaliadas e constituídas, assim, estéticamente. Ou seja, no âmbito do modo de sermos da vivência de sua inutilidade, e potência. A avaliação propriamente dita do ambiente, e de seu uso, é inerente a sua vivência ontológica, fenomenológico existencial. Ou seja: a avaliação do ambiente só pode ser dar no âmbito de sua inutilidade, de sua estesia, de sua estética.
De modo que só podemos determinar a utilidade do ambiente a partir da vivência muito própria de sua inutilidade ontológica. Da vivência ontológica da possibilidade de seu ser, vivida como possibilidade ontológica de ser no mundo, que se desdobra e cura em coisa, e no próprio mundo.

Talvez seja a isso que LaoTsu se refere quando observa:

Quereria alguém arrebatar o mundo e dele fazer o que quisesse?
Não vejo como poderia ter sucesso.
O mundo é um canal sagrado, que não deve ser indevidamente manipulado, nem agarrado.
Manipulá-lo indevidamente é espoliá-lo, agarrá-lo é perdê-lo. (...)

Só assim podemos participar da sustentação e da pródiga fecundidade ambientais, ao invés de, meramente, espoliá-lo e aniquilá-lo.
A pragmática da utilidade do ambiente rigorosamente se subordina à pragmática de sua inutilidade ontológica. De sua avaliação e verdade estésicas, estéticas.

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